Comunicação dos conhecimentos produzidos em análise do comportamento: Uma competência a ser aprendida?


I Universidade da Amazônia
II Universidade Federal do Pará

RESUMO

Analistas do comportamento têm dificuldades em comunicar seus conhecimentos para outras comunidades de cientistas e, principalmente, para as comunidades que poderiam aplicá-los, tais como professores, pais, enfermeiros, engenheiros, etc. Este ensaio apresenta reflexões e fomenta discussões relativas à análise de razões pelas quais ocorrem essas dificuldades e de busca de meios para as superar. A adequada comunicação entre analistas e não-analistas é importante devido ao retorno social que dela resulta.

Palavras-chave: comunicação; analistas do comportamento; não-analistas; análise do comportamento; educação

ABSTRACT

Behavior analysts have some difficulties in communicating their knowledge to other scientific communities, mainly to those that could apply it, like teachers, parents, nurses, engineers and so on. This essay presents some reflections, as well as promotes discussions, on the reasons why those difficulties occur, and points out ways to overcome them. The adequate communication between behavior analysts and non-analysts is important on account of the social return it conveys.

Key words: communication; behavior analysts; non-analysts; behavior analysis; education

"Nós sabemos como construir escolas melhores"
Skinner, (1989/ 1991, p. 131)
Para aqueles que estão familiarizados com os princípios comportamentais, a afirmação acima não causa espanto. Na década de 30, Skinner propõe o estudo de organismos relativamente simples (ratos e pombos) a fim de descrever as leis que regem o comportamento de qualquer outro organismo, incluindo o homem. O que diferenciou sua proposta da de outros cientistas foi um conjunto de procedimentos e de noções que ficou mais tarde conhecido como Análise Experimental do Comportamento (AEC). Basicamente, o que interessava era a observação e o registro de uma única resposta produzindo uma mudança no ambiente experimental, e a alteração da freqüência daquela resposta a partir da mudança ambiental produzida. O dado básico, portanto, era a freqüência de resposta de um único sujeito e a noção fundamental era de que o comportamento não se encontra nem no organismo nem fora deste, e sim na interação entre organismo e ambiente. O estudo de sujeitos como seu próprio controle contrapunha-se à ênfase em médias estatísticas e curvas de aprendizagem montadas com base na soma dos desempenhos de vários sujeitos experimentais. A noção de comportamento enquanto interação opunha-se às noções mentalistas de explicação do comportamento. Skinner fundava o Behaviorismo Radical, sustentado pelos dados produzidos em AEC, em contraposição aos outros behaviorismos e aos sistemas mentalistas da época.

A partir do empreendimento de Skinner, um número cada vez maior de investigações produziu um conjunto coerente de dados que possibilitaram observar, descrever, prever, alterar e reproduzir, sob condições controladas, a sensibilidade de organismos a determinadas modificações no ambiente, particularmente a sensibilidade às conseqüências que ocorrem imediatamente após uma determinada ação. As regularidades identificadas na interação organismo-ambiente também foram observadas em situações fora do laboratório e desenvolveram-se técnicas e procedimentos de modificação e controle do comportamento humano, aplicáveis em campos especializados (instituições de ensino, hospitais, clínicas, etc.). Iniciava-se a constituição de uma Psicologia Comportamental fundamentada em princípios filosóficos (Behaviorismo Radical), metodológicos (Análise Experimental do Comportamento) e práticos (Análise Aplicada do Comportamento). Além dos psicólogos comportamentalistas, outros profissionais começaram a pautar suas investigações (teóricas ou experimentais) e ações profissionais nos princípios anteriormente citados, razão pela qual se pode falar na existência de uma comunidade, a dos Analistas do Comportamento.

Nestes setenta anos de empreendimento científico, muito conhecimento foi acumulado. Sabe-se como construir melhores escolas, melhores hospitais, melhores sistemas de trânsito. Sabe-se muito sobre o comportamento dos organismos e particularmente sobre o comportamento da espécie humana. Porém, ainda não se sabe como comunicar conhecimentos para outras comunidades de cientistas e, principalmente, para as comunidades que poderiam aplicar aquilo que se sabe: professores, pais, líderes comunitários, administradores, assistentes sociais, agentes prisionais, juizes, enfermeiros, engenheiros, etc. É bastante provável que, ao se depararem com esta afirmação, muitos leitores lembrem de uma série de experiências isoladas e bem-sucedidas de aplicação dos princípios do comportamento a campos especializados, bem como de textos e artigos cujos conteúdos estão ao alcance de qualquer cidadão letrado (embora este adjetivo seja passível de questionamento). Entretanto, com exceção da área clínica e da educação especial, qual o impacto atual dos conhecimentos obtidos sobre os campos especializados? Na Educação, particularmente, observa-se que há duas atitudes básicas de educadores (professores, técnicos, administradores e pesquisadores em educação) em relação aos pressupostos de ensino e aprendizagem em Análise do Comportamento: 1) rejeição explícita a tudo que possa lembrar Behaviorismo; 2) uma certa tolerância aos enunciados behavioristas, que seria mais bem traduzida como uma condescendência àqueles que são julgados como ultrapassados. A primeira atitude foi constatada por diversas pesquisas, dentre as quais, uma conduzida por Rodrigues (1999) envolvendo profissionais de educação atuantes em instituições públicas de ensino (a maioria, em sala de aula), com formação diversificada, variando de 2o grau em magistério a pós-graduação. Os resultados da pesquisa indicaram uma não identificação e uma antipatia dos participantes com essa abordagem no seu trabalho. O que está por trás das atitudes referidas e da dificuldade de comunicação do que se sabe? É possível apontar vários fatores responsáveis por essa situação. Por exemplo, quanto à antipatia relativa ao Behaviorismo, Rodrigues (1999) indica um desses fatores a forma como ocorre (e se ocorre) a formação de educadores nessa abordagem e sugere investigá-la, "para verificar como a teoria é apresentada e quais as incorreções e deturpações mais comuns" (p. 244). Outro fator que se sobressai diz respeito ao uso, entre os analistas do comportamento, de uma linguagem hermética, somente acessível aos próprios analistas. Essa linguagem é freqüentemente criticada por utilizar-se de termos que são de difícil entendimento para o leigo, têm um significado diferente do usual e/ou trazem um peso ideológico muito forte.

Termos usados freqüentemente por behavioristas, como controle, treino, condicionamento, punição, estão associados, no discurso leigo e no entendimento de algumas comunidades acadêmicas e profissionais, a autoritarismo e práticas abusivas de cerceio à liberdade de ação e, por conseguinte, levantam inevitáveis e inesgotáveis questões políticas, éticas e morais. Estímulo e resposta são também termos associados a uma visão reducionista e acanhada de homem. Contingências de reforçamento, esquemas de reforçamento contínuo, esquemas de reforçamento intermitente (razão fixa, razão variável, intervalo fixo, intervalo variável), DRO, DRL, time out, esquiva, fuga, discriminação simples, discriminação condicionada, extinção, matching to sample, topografias de controle de estímulos, equivalência de estímulos, encadeamento de respostas, consequenciação...; a lista de termos é quase interminável. A utilização dessa terminologia, afirmam os analistas, é necessária e facilita a comunicação entre os cientistas comportamentais. Sem dúvida que sim. Mas poder-se-ia também acrescentar que aumenta a distância entre os analistas e os não-analistas.

Encurtar esta distância, particularmente entre os analistas e os educadores (integrantes do mundo "lá fora"), faz parte da preocupação de um dos expoentes da Análise do Comportamento - Murray Sidman. Em uma de suas obras, Sidman (1994), não somente expressa tal preocupação, ao apontar uma profunda separação entre a pesquisa (experimental) e a aplicação educacional de seus resultados (no ensino, por exemplo), como também sugere esforços concretos para a solução desse problema: 1) a inserção de analistas em estabelecimentos educacionais, para propiciar-lhes aceitação do uso prático dos métodos de ensino oriundos do laboratório; 2) a melhoria dos canais de comunicação entre pesquisadores e professores (de ambas as partes são erigidos muros reais ou barreiras imaginárias, comprometendo essa comunicação), pela divulgação dos resultados da pesquisa numa linguagem não técnica.

Evidentemente não se trata de propor uma mudança no vocabulário. Há, entretanto, analistas que, em seu contato com o público de educadores, tentam usar sinônimos de alguns dos termos mencionados, no esforço de serem compreendidos. Talvez, com sucesso. Tal esforço não chega a ser uma mudança no vocabulário, porém pode ser visto como uma espécie de "tradução" de termos para uma comunidade não familiarizada com a AEC (ver Rodrigues, 1999). A mudança no vocabulário descaracterizaria todo um campo científico já estabelecido. Tampouco se trata de esperar que todos entendam o analista em sua linguagem hermética; tal linguagem, conforme aponta Sérgio Luna num artigo em que discute a participação dos analistas do comportamento na solução da crise da educação (Luna, 2001), é propensa a "arrepiar mesmo os mais insensíveis" (p. 149). Uma linguagem que não oferece atrativos para o leigo. Uma linguagem que, além disso e contrariamente ao seu propósito, abre espaço para interpretações errôneas, tem poucas chances de ser aceita fora da comunidade do analista. Se o analista, em sua atuação na escola, no hospital, no lar, na rua, na prisão, no bar, no trânsito... está lidando com fatos da vida, por que não é suficientemente entendido em suas análises e propostas?

Outra possível razão para um entendimento errôneo ou inadequado dos princípios comportamentais, e que se soma à ineficiência do analista em comunicar o que sabe, seria a difusão ampla, na academia e algumas vezes na imprensa escrita, de textos e artigos que criticam o Behaviorismo de uma forma, no mínimo, grosseira. É comum, por exemplo, a veiculação, entre os educadores, de duas idéias deturpadas: 1) o Behaviorismo possui uma visão mecanicista de homem; 2) o Behaviorismo propõe um ensino baseado em estímulos e respostas. Acrescente-se a essa crítica, outra que associa Análise do Comportamento à corrente pedagógica do Tecnicismo. Ora, no Tecnicismo encontram-se alguns elementos de programação de repertórios que, sem dúvida, foram retirados dos estudos de analistas experimentais do comportamento. Como o Tecnicismo chegou ao Brasil no período infeliz da ditadura militar, e pesquisas educacionais inspiradas no modelo tecnicista foram amplamente financiadas na época, alguns críticos rasteiramente englobam em uma mesma classe tecnicismo, Behaviorismo, Análise do Comportamento e repressão militar. É preciso enfatizar que muitos críticos do Behaviorismo sequer fazem a diferença entre a proposta behaviorista radical de Skinner e a de outros behavioristas. Assim, tem-se uma difusão deturpada de Behaviorismo na academia (particularmente em cursos de Pedagogia, Sociologia, Filosofia e nas licenciaturas em geral, em que há disciplinas pedagógicas), diga-se de passagem, de um Behaviorismo primitivo e totalmente distanciado do que se conhece hoje.

Não é propósito deste trabalho rebater essas e outras críticas, as quais já foram sobejamente esclarecidas em diversos textos. Dada a sua pertinência, convém, entretanto, citar brevemente um desses textos (Medeiros, 1997), no qual o autor discute a respeito de preconceitos contra a abordagem comportamental.

Essa discussão é pertinente, em especial porque o autor a tece sob dois pontos de vista. Primeiramente, como uma crítica do analista-professor ao pouco conhecimento que os alunos têm sobre a real função de um laboratório didático no qual se ensina a pesquisa:

O fato é que as informações a respeito da função de um laboratório são pouco conhecidas, ensejando, por isso mesmo, uma visão estereotipada, como se os equipamentos em uso se aproximassem daqueles utilizados em contextos não acadêmicos como sanatórios e prisões (...). (Medeiros, 1997, p. 8; itálico acrescentado)

Em segundo lugar, como uma autocrítica do analista-professor que, ao interagir com seus alunos, contribui para que estes adquiram preconceitos contra a abordagem comportamental. O autor afirma: "(...) não temos percebido que na relação professor-aluno, muitas vezes, fazemos uso de 'estigmas', com efeitos muito semelhantes aos dos estímulos físicos aversivos (...) e, nem, por isso, nos indignamos ou mesmo repudiamos essas práticas" (Medeiros, 1997, p. 8). Ao fazer essa autocrítica, aquele autor propõe uma saída para a solução do problema que é a instalação de comportamentos preconceituosos contra a abordagem comportamental. Ele aponta essa saída ao considerar a importância de o pesquisador-analista (que também é professor) levar em conta o papel da própria emoção quando ele interage com a emoção de outras pessoas seus alunos, por exemplo, e pessoas analfabetas participantes de pesquisas como sujeitos experimentais. Para Medeiros, é comum haver pessoas analfabetas que, ao participarem de pesquisas voltadas para o ensino de leitura e escrita, se emocionam quando se percebem capazes de adquirir tais processos comportamentais, e isso lhes possibilita uma auto-estima positiva. Considerar a emoção, quando o pesquisador (analista do comportamento) interage com os alunos e sujeitos experimentais, é demonstrar-se sensível perante a subjetividade e lidar com a subjetividade é, segundo Medeiros, uma forma de lidar com preconceitos contra a Análise do Comportamento. Daí a importância de ser incluída a emoção enquanto um dos aspectos comportamentais que faz parte do que se concebe como conhecimento e não apenas os aspectos "formais e acadêmicos da aprendizagem" (Medeiros, 1997, p. 15).

Seguindo outro rumo com este trabalho, propõem-se as seguintes questões para reflexão dos próprios analistas do comportamento. Dispõe-se de manuais que falem a mesma linguagem do professor, com um mínimo de termos técnicos e que, ao mesmo tempo, não desvirtuem o entendimento dos princípios do comportamento? Se sim, por que tais manuais não chegam até esses educadores? Se não, a omissão estaria contribuindo para a manutenção dessa visão deturpada entre os educadores? Seria um exagero afirmar que parte significativa dos textos produzidos, embora de linguagem clara e acessível ao público leigo, é direcionada à apreciação e ao consumo apenas entre os analistas? Sidman (1994) expressa a necessidade de serem produzidos textos para professores que enfatizem aplicações baseadas, conforme o interesse particular desse autor, no paradigma de equivalência de estímulos. A materialização dessa proposta seria um passo no sentido de se atingir um outro público, o formado pelos professores, para os quais a Análise do Comportamento soa como algo estranho. O êxito do contato desse público com esses textos decorreria de sua linguagem não técnica, gerando esta adequada compreensão e resultando, por sua vez, em julgamento crítico. Mas o domínio de uma linguagem não técnica, após treinamento intensivo e rigoroso no domínio de uma linguagem técnica é uma habilidade difícil de ser adquirida e manifestada. Daí, talvez, a resistência ao uso de uma linguagem não técnica. Uma boa forma de o analista testar a sua habilidade (quando a tem) em comunicar seus conhecimentos aos professores, seria não apenas produzir textos acessíveis (como aponta Sidman), mas também submetê-los ao julgamento crítico desses profissionais.

Quanto ao aproveitamento do conjunto de conhecimentos produzidos, cabe indagar: quem são os consumidores dos relatos (a grande maioria em inglês e, portanto, distante da real condição de acessibilidade do professorado) que tratam de modificação de comportamento (de professores e de alunos) em sala de aula? Quantas experiências há, no Brasil, de implantação de escolas experimentais? O que tem dificultado a implantação dessas escolas? Como se tem reagido perante as dificuldades nesse sentido - enfrentando-as ou retrocedendo? Tem-se aprendido com os esforços bem-sucedidos nesse campo, em algumas universidades? Os conhecimentos disponíveis sobre aquisição de leitura e escrita têm sido oferecidos aos analfabetos do país? Algumas experiências mostram que sim, mas a oferta desses conhecimentos tem sido parcial e pouco significativa. Há registro de experiências positivas junto a pessoas analfabetas do Brasil. Convém mencionar uma delas (Amaral, 1983), por ter ocorrido num dos bairros mais pobres de Belém, um município do Norte do país. Foi a implementação de um projeto de alfabetização de adultos, com base no método Keller (modelo de instrução personalizada) e no método Paulo Freire. O êxito da experiência não foi somente ter gerado a alfabetização de alguns dos participantes do projeto, mas também o fato de eles terem lutado pela melhoria das condições sócio-econômicas de sua localidade. Quais esforços coletivos têm sido despendidos por associações e agremiações comportamentalistas junto à comunidade educacional? A pouca ou não significativa existência desses esforços não estaria relacionada ao fato de analistas do comportamento, por exemplo, dos que atuam na academia, estarem despreparados ou mal preparados para analisar o sistema educacional como um todo? Aqui, vale inserir um trecho do artigo de Luna (2001), em que discute a justificativa dada por analistas para sua omissão a essa análise. "Podemos sair pela tangente, afirmando que somos psicólogos, não pedagogos, orientadores educacionais ou coordenadores pedagógicos. Mas continuaremos falando para nós mesmos, publicando para nós mesmos e mantendo nosso status na academia" (p. 152).

O modelo de instrução personalizada proposto e implementado por Fred Keller é uma experiência constante de muitos textos que tratam do modelo comportamentalista de ensino e aprendizagem. Sem dúvida essa parece ser a experiência educacional mais conhecida, cuja implementação se estendeu, com êxito, a diversas partes do mundo. Infelizmente, porém, apesar do entusiasmo pelo modelo de ensino de Keller, a maioria dos diretores escolares, técnicos educacionais e professores de diferentes partes do Brasil, se indagados, diriam desconhecer tal proposta. Por outro lado, se o analista tem propostas e experiências positivas em educação, outros (não-analistas) também as possuem. Caberia, talvez, olhar as experiências alheias e exercitar traduzir o que elas oferecem em termos de princípios do comportamento. Talvez até não caiba a tarefa de propor métodos de ensino. Alguns analistas do comportamento erraram ao ver a escola como um grande laboratório, desconsiderando as peculiaridades do ambiente de ambos, não obstante os aspectos de aproximação de um em relação a outro (Baptista & Assis, 2002) e concebendo a variáveis de ensino e de aprendizagem, no âmbito da escola, como passíveis do mesmo tipo de controle exercido no laboratório experimental. Mas cabe reler as experiências bem-sucedidas de ensino e sistematizá-las operacionalmente para usufruto da sociedade em geral.

Freqüentemente refere-se à programação de repertórios acadêmicos e identificam-se os componentes (comportamentais e ambientais) envolvidos em diversos procedimentos de ensino, dentro ou fora da escola. Nas três últimas décadas informatizou-se a coleta de dados, de maneira menos ou mais sofisticada, e lida-se com os procedimentos de pareamento ao modelo, fading e exclusão (para falar de alguns), como se fossem tecnologias de vanguarda. Porém, vê-se diariamente tais procedimentos (e os princípios que os norteiam) sendo utilizados em softwares educacionais e jogos virtuais, produzidos por técnicos e engenheiros que, muito provavelmente, desconhecem os princípios da Análise do Comportamento. Alguns analistas podem argumentar que há casos em que a utilização de alguns desses procedimentos é reflexo direto do conhecimento dos princípios subjacentes (o que pode ser verdade, mas não na maioria dos casos). Mesmo quando isso ocorre, tal fato não deve ser tomado como indicativo de uma relação entre o domínio dos princípios da Análise do Comportamento e a sua aplicação.

Como o analista do comportamento tem desempenhado o seu papel social de produtor de conhecimento? A quem serve o conhecimento de que ele dispõe? Referindo-se ao mesmo problema, mas em relação à psicologia, Botomé (1979), há bastante tempo, havia posto a seguinte questão: "a quem é acessível a literatura e divulgação da psicologia?" (p. 9). Ele próprio já apontava uma resposta, ao dizer: "Talvez quem tem acesso à informação (...). Talvez apenas alguns economicamente privilegiados (...)" (p. 9; itálico acrescentado). Prosseguindo, ele dizia: "Os conceitos e conhecimentos produzidos nas pesquisas, experimentos e laboratórios (...) deveriam servir à população que produz as condições que sustentam o cientista (...) (p.11-12).

A mudança social não se dará pela Análise do Comportamento, embora ela se valha dos pressupostos do Behaviorismo Radical como sua sustentação filosófica, o que implicaria constituir-se em um fator de mudança, em termos potenciais. Considerar a forma pela qual o homem é concebido na sua interação com o meio em se insere, deporia a favor do caráter transformador da Análise do Comportamento, pelo menos em tese, mas não tem sido reivindicada para ela uma vinculação às ideologias de mudança social. Têm sido poucas, relativamente, as práticas transformadoras levadas a cabo por analistas do comportamento, no âmbito social, e poucas também têm sido as práticas de analistas inspirados em ideologias de mudança. É mais provável que analistas do comportamento se engajem em práticas propiciadoras de mudança por um compromisso com uma determinada ideologia de mudança social do que por um compromisso com a filosofia que sustenta a Análise do Comportamento.

Se a mudança social não se dará pela Análise do Comportamento, em si mesma, o analista tem obrigação de contribuir para essa mudança. "O homem, como o conhecemos, melhor ou pior, é o que o homem fez de si mesmo" (Skinner, 1971/1983, p. 154). A mudança social pode ser conseqüência da decisão que se toma. Conforme Botomé (1979), ainda em referência à psicologia, "será o conhecimento científico uma arma de dominação a instrumentar autônomos para a 'cura' dos problemas? Ou devemos alterar isto e (...) promover melhores condições para comportamentos humanos mais significativos?" (p. 12).

Crucial é que o analista do comportamento contribua para a mudança social. De acordo com a posição de alguns críticos extremistas da Análise do Comportamento Aplicada, mencionados por Escala e Sánchez (1977, p. 339), se, por um lado, esta atua, na América Latina, para a domesticação e não para a libertação, moldando o indivíduo à sociedade, em virtude de sua vinculação à classe social dominante e servindo como um "instrumento idôneo do status quo", por outro lado, concebe-se que é preciso enfatizar as práticas sociais transformadoras empreendidas por analistas do comportamento, ainda que raras, e enfatizar as possibilidades de mudança social via mudança educacional. Tais possibilidades sustentam-se, em parte, no fato, discutido por esses autores - em oposição a esses críticos extremados - de que os analistas, na América Latina, têm-se voltado para a discussão dos critérios filosóficos norteadores de sua prática e têm refletido acerca da desvinculação dessa prática a ideologias de mudança educativa. O posicionamento de Holland (1983) acerca da relação entre o Behaviorismo e a mudança social, no sentido de que essa abordagem seja parte da solução e não parte do problema, configura-se pertinente. Contudo, esse posicionamento revela um compromisso social do autor e não indica, explicitamente, sua defesa do atrelamento dessa filosofia ou da prática que ela suporta a ideologias de mudança.

Antes de se pretender empreender alguma mudança social, é necessário começar a tentar mudar as próprias posturas. Por exemplo, perante a reação dos interlocutores do analista quando, ao interagirem, eles demonstram não compreender o que lhes é comunicado. Manter-se-á o analista enclausurado em sua comunidade verbal e, assim, irredutível quanto à possibilidade de usar uma linguagem acessível a ouvintes que extrapolam essa comunidade, para que, assim, com competência, divulgue seus conhecimentos? Ou, pelo contrário, aceitará o analista o desafio de se comunicar com os não-analistas de forma compreensível, sem comprometer o caráter científico da terminologia da Análise do Comportamento?

Espera-se que estas e as questões anteriores gerem reflexões, especialmente a respeito de como o analista possa empreender a comunicação dos conhecimentos produzidos em Análise do Comportamento com os não-analistas, de forma alternativa à que, em geral, vem ocorrendo. Cabe salientar que não se pretende que as reflexões a respeito da comunicação sejam caracterizadas como a busca de um consenso em torno das idéias behavioristas ou de formar prosélitos entre os que não fazem parte da comunidade de analistas. Espera-se que as reflexões envolvam perguntas passíveis de levar à obtenção de respostas, a exemplo de uma pergunta final, dirigida ao leitor, em especial analista do comportamento: estará ele sensível ao controle contextual?

Referências

Amaral, R. S. (1983). Alfabetização de adultos: relato de uma experiência em um bairro periférico de Belém. Manuscrito não-publicado, Universidade Federal do Pará, Departamento de Psicologia, Belém. [ Links ]

Baptista, M. Q. G., & Assis, G. J. A. (2002). Treino sem conseqüências diferenciais: importância conceitual, metodológica e algumas implicações educacionais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 18(2), 149-160. [ Links ]

Botomé, S. P. (1979). A quem nós, psicólogos, servimos de fato? Psicologia USP, 5(1), 1-15. [ Links ]

Escala, M. J., & Sánchez, J. (1977). Analisis conductal aplicado a la educación: liberación o domesticación? Revista Latinoamericana de Psicología, 2(3), 397-407. [ Links ]

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Luna, S. V. (2001). A crise da educação e o Behaviorismo. Que parte nos cabe nela? Temos soluções a oferecer? In K. Carrara (Org.), Educação, Universidade e Pesquisa. III Simpósio em Filosofia e Ciência: Paradigmas do Conhecimento no Final do Milênio (p. 143-155). São Paulo: FAPESP/Unesp-Marília-Publicações. [ Links ]

Medeiros, J. G. (1997). Relato de uma experiência de ensinar: construindo a relação entre teoria e prática. Temas em Psicologia, 1, 7-21. [ Links ]

Rodrigues, M. E. (1999). Algumas concepções de profissionais de educação sobre Behaviorismo. In R. R. Kerbauy & R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre comportamento e cognição (pp. 236-246). Santo André: ESETec. [ Links ]

Sidman, M. (1994). Equivalence relations and behavior: a research story. Boston: Authors' Cooperative. [ Links ]

Skinner, B. F. (1983). O mito da liberdade (E. R. B. Rebelo, Trad.). São Paulo: Summus. (Texto original publicado em 1971) [ Links ]

Skinner, B. F. (1991). Questões recentes na análise comportamental (A. L. Néri, Trad.). Campinas: Papirus. (Texto original publicado em 1989)

Retirado do Site: Comportamento Humano
Postado por Ítalo Sobrinho

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